Há um populismo que se espalha perigosamente e que procura a todo o custo sonegar a História, apoiando-se na ideia perigosa de que evocar as tristes memórias do passado é intolerância política
Até podemos não gostar da abordagem (o que em nada é o meu caso particular), mas chamar a isso de intolerância é um propositado e conveniente desconhecimento de determinados conceitos.
Proclamar em alto e bom som que Savimbi é o Pai da democracia é uma ofensa ao ideal de Péricles. Quem colocou o país em chamas e recusou-se ir a uma segunda volta, estamos agora a descobrir que até foi um arranjo que se lhe fez em 1992 (?!), só pode ser um insulto. Mas como as palavras o vento leva, não vale a pena levar a sério. Para mais, como agora está na moda que só é democrata quem critica o Governo, então desconfio do que me espera.
A UNITA não só nos deixa um legado com memórias dolorosas e traumáticas do passado, como agora tenta nos impingir visões incertas do futuro com a sua ameaça demagógica e repetida ora de mudança, ora de transição e, muito enfaticamente, de alternância. No lugar do bom senso e da serenidade, deixa o medo e o pânico, tal qual 1992. Ao afirmar-se sem pejo como vencedor, tenta criar o medo em certos meios e uma ilusão na maioria da população de tal sorte que um resultado negativo sirva de mote para cenas de violência, intolerância e confusão. Afinal, nas eleições como qualquer outra disputa, admitem-se dois resultados. Ninguém é vencedor à priori e é perigosa a postura e o discurso que tentam propagar.
Quem acompanha a Geopolítica não se espanta com a postura que a UNITA e Adalberto da Costa Júnior têm vindo a adoptar. Tem paralelos. O mais flagrante é o ex-Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump que adoptou exactamente o mesmo discurso e com isso legitimou as cenas desagradáveis de invasão ao Capitólio e, como atestam as investigações que estão a vir à superfície, com a suas impressões digitais muito claras. Esperemos pois que os que agitam e inflamam o peito com esse discurso triunfalista saibam depois assumir as suas responsabilidades e não venham com tergiversações explicar uma eventual derrota aos seus adeptos. Porque a memória ainda está fresca em boa parte dos angolanos que vivenciaram os acontecimentos pré e pós-eleitorais de 1992. (Talvez, nessa altura, ACJ andasse a deitar gasolina, confortavelmente, a partir da Europa).
Mas para quem esteve no terreno, facilmente encontrará semelhanças no modus operandi da UNITA, com excepção da ausência de uma força militar que teimou em não desarmar, contrariando todos os acordos então firmados. Também não é por acaso que se ouvem pronunciamentos de militares na reforma ( será?) induzindo ex-companheiros no activo, integrados nas Forças Armadas Angolanas (FAA) a seguirem o mesmo caminho feito por eles em 1992.
As montagens de alegadas cenas de violência e as perseguições aos que não estão de acordo com os pactos assumidos, com Deus e o Diabo, em nome da alternância, deixam a perceber que, mesmo não tendo forças militares e serviços de inteligência convencionais, haverá por aí muitas milícias para “simular comportamentos” e “pôr na linha” quem ouse questionar a origem dos financiamentos da campanha ou a integração na lista de candidatos de elementos mal quistos no partido ou de arruaceiros feitos revús, sob a capa de “sociedade civil”. São estes sinais que nos atiram para o clima de há 30 anos: de arrogância, intimidação, desprezo pelos demais concorrentes (quem introduziu o termo partidecos no léxico político nacional?), alguns dos quais lhes foi estendida, agora, uma corda de salvação de uma morte anunciada, em alianças espúrias e improváveis que de inclusão só enganam os mais incautos.
Antes, como agora, a vitória era dada como mais que garantida e a ilusão de manifestações cheias de pessoas que andam de um lado para o outro (não são apenas as colunas de autocarros do adversário), a ameaça e a soberba, levaram ao caos quando viram que, afinal, as suas promessas não convenceram o eleitorado. Daí à “somalização” de Angola foi o passo do rastilho para a maior e mais sangrenta fase do conflito armado, destruindo as principais infra-estruturas e tirando a vida a centenas de milhar de angolanos, todos importantes para a árdua tarefa da reconstrução nacional que já então se ensaiava.
Trinta anos depois, os causadores desta desgraça, maus perdedores, ressurgem com os mesmos discursos inflamados, cantando vitória antecipada e não escondendo um plano à Trump caso os eleitores não se lhes perdoem a grande responsabilidade que, indiscutivelmente, têm no estado de situação em que o país se encontra, porque é dos livros que destruir é muito mais fácil que construir, sem que disso se ilibem erros de governação e, sobretudo, a quase institucionalização da corrupção, cujos beneficiários mais directos surgem agora mancomunados na tentativa de repor a impunidade com que actuavam até Setembro de 2017.
Se é verdade que na política não vale tudo, não é menos verdadeiro que os comícios apenas nas suas praças fortes e sondagens à gosto não vencem eleições e que a democracia é um processo de práticas e acções que não se compadece com discursos pomposos e promessas inexequíveis, quando toda a história lhes mostra o contrário, durante anos a fio do conflito armado e mesmo nas ocasiões em que geriram (?) quase setenta por cento do território nacional, que eram certamente o exemplo mais acabado da democracia de que se arrogam serem os defensores, foram péssimos gestores.
Mas o nosso discípulo de Trump não se fica pelo populismo. É também sectário e laivos de um tribalismo que já não enche um saco de arroz. Veja-se o desplante e a forma como interveio recentemente no Huambo onde, de entre várias coisas que disse, destaco o facto de ter ” menosprezado ” a inteligência das pessoas do Cazenga, lembrando que quando há dois anos participou em duas sessões de debates com a sociedade civil, um no Cazenga e outro no Huambo, e que só ouviu perguntas verdadeiramente inteligentes la no Huambo, “sem desprimor para as pessoas do Cazenga”, acrescentou. O que pretendia verdadeiramente com isso? É uma grosseira falta de responsabilidade e sentido de Estado. Por isso é que trouxe a lume uma negociação política que teve com o MPLA, subvertendo-a, publicamente.
Tal como em 1992, na tentativa de inverter a vontade do eleitorado pela arruaça e desacatos, para eles o resultado das urnas não vai vingar, mesmo que os métodos sejam mais próximos do mau exemplo de Donald Trump não devemos nos coibir de denunciar esse populismo atroz, insensato e insano. A violência e o discurso de vitória antes do tempo não deve fazer escola. Como dizem os evangélicos, contra todo o mau agouro: vade retro…